Estadão – Fintechs podem virar uma grande bolha

Bernardo Parnes diz que é preciso ter cuidado com o intenso movimento das startups do setor financeiro; para o executivo, o que preocupa não é o mundo digital, mas ‘a velocidade de valorização de ativos digitais’

Entrevista com Bernardo Parnes, CEO da Investment One Partners

18 de novembro de 2019

Um dos principais executivos do mercado financeiroBernardo Parnes, à frente da Investment One Partners, gestora de recursos de fortunas, com cerca de R$ 3 bilhões sob gestão, e assessoria de fusões e aquisições, se diz “velho e rodado” para não querer mais que a retomada da economia seja lenta e gradual. “Acho que a melhor coisa que a gente pode ter na economia é um tijolinho após o outro”, diz o executivo, que também passou pela presidência para América Latina do Deutsche Bank e da Merrill Lynch no País.

Segundo Parnes, é preciso ter cuidado com o intenso movimento de fintechs, as startups do setor financeiro. “Agora se fala muito das fintechs. Quando se analisa com mais calma, a gente vê que as empresas não existem, só business plan.” Veja a seguir, os principais trechos da entrevista.

Bernardo Parnes
Bernardo Parnes, executivo da gestora Investment One Partners. Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Como o sr. avalia esse primeiro ano do governo Bolsonaro?

A gente tem alguns ‘Brasis’. Um Brasil político/executivo, que, na minha opinião, está errático e excessivamente volátil. Parece muito mais que a gente vai ter eleição no mês que vem. Esse Brasil político, que não é técnico, está criando uma volatilidade e um barulho grande desnecessário. Também temos o ‘Brasil técnico público’, que é a equipe que o presidente Jair Bolsonaro trouxe, com bons ministros e outros nem tanto. Não dá para ter homogeneidade perfeita. Mas há movimentos interessantes com a apresentação de um pacote de reformas, que não se via desde 1988. Quando se vê um Brasil com o setor privado, existe perspectiva muito boa, que certas áreas já estão materializando.

Esse lado errático político/técnico pode afetar essa agenda de reformas de alguma maneira?

Estamos mais na expectativa de esperar e rezar. No final do dia, pode. Mas cada dia que passa, o risco é menor. Teve muita boataria que Paulo Guedes (ministro da Economia ) iria sair, que Salim Mattar (secretário especial de Desestatização)  também sairia. Mas vemos uma parte da equipe fazendo um trabalho muito bom, como o ministro da infraestrutura, Tarcísio de Freitas, e a da Agricultura, Tereza Cristina.

Começamos o ano com dois superministros: o juiz Sérgio Moro e Paulo Guedes. Mas houve boatarias de que eles perderam força ao longo do tempo. Como avalia esses movimentos?

Acho que o Guedes ainda tem uma aura. Não conheço o Bolsonaro para saber o que se passa. Talvez, de novo, haja muita boataria sobre Guedes e Moro, provocada ‘por forças ocultas’, que talvez coloquem mais lenha do que precisa. Lá dentro no círculo duro não sei se existe essa tensão. Não vejo nenhuma diminuição de força de Paulo Guedes. Os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, e do Senado, Davi Alcolumbre, estão exercendo um papel primordial, de estadistas.

Como vê o pacote de privatizações do governo?

Assumindo que vão colocar os ativos corretos, com preços corretos, acredito que terão interessados. Com essa liquidez no mundo, acho que o Brasil vai ter sucesso. Se os ativos forem bons, terão investidores.

Quais ativos são mais cobiçados? Fatias do BNDES?

BNDES, pelo que eles estão falando, agora vai virar um banco de fomento de realidade, mais estratégico sob o ponto de vista de investimento. A carteira do BNDESPar não é para se segurar por tanto tempo. Tem posições muito grandes, não só de privatização não.

Quais outro ativos?

Infraestrutura. Destravaria o Brasil. Para o Brasil crescer 3% para cima, ou você arruma a infraestrutura, ou não vai. E fazer as licitações de forma correta. Há casos de licitações estaduais, federais, que o indivíduo dá um preço maior, e depois fica colocando adendos. É o caso de Viracopos, que virou um imbróglio. É importante entender como serão os editais. Tem de trazer operador. Ou consórcios que tenham investidor financeiro, mas também estratégico.

Estamos pavimentando o caminho para a volta mais firme de investidores estrangeiros para o Brasil?

Estamos  criando as condições precedentes. Vai ser  um caminho fácil? Não. Estávamos falando dos três ‘Brasis’. Estamos no caminho certo, mas poderia ser menos tortuoso.

O Brasil também está aprendendo a viver num cenário de juros baixos. Como isso pode melhorar o ambiente de negócios?

Em nenhuma geração a gente pegou esse cenário de juros. Isso vai fazer com que o investidor pense em coisas alternativas, vá para economia real. O reflexo mais imediato é a Bolsa. Outro é o mercado imobiliário. Mas esse movimento atual mostra que o comprador de imóvel está olhando o que pode pagar, diferentemente do passado, que tinha um movimento especulativo.

O sr. vê uma retomada mais lenta e gradual na economia?

Sinceramente, acho que estou muito velho e rodado para não querer mudanças graduais. A melhor coisa que a gente pode ter na economia é um tijolinho após o outro. Agora se fala no mundo de fintechs. Temos uma family office na Investment One Partners, que a gente recebe muita proposta semanalmente. Quando se analisa com mais calma, a gente vê que as empresas não existem, só business plan. Agora é tudo fintech. Impressionante.

O sr. vê esse movimento como uma bolha que pode ser criada?

Pode ter uma bolha. O Brasil está muito atrás se comparado com o mercado externo na digitalização. Mas vieram alguns players aqui derramando dinheiro, fazendo ‘due diligence’ superficiais e tenho muito certeza que vai dar confusão. É irreversível para onde a gente vai caminhar, mas tem de analisar os casos. Não tenho receio do mundo digital. Meu receio é a velocidade de valorização de ativos digitais, como fintechs.

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